EMPREGADO QUE SE RECUSAR A TOMAR VACINA CONTRA A COVID-19 PODE SER DESPEDIDO POR JUSTA CAUSA?
Um dos
assuntos mais comentados nos últimos tempos na esfera das relações de emprego é
a discussão sobre se o empregador pode ou não exigir que o trabalhador se
vacine contra a COVID-19. Mais do isso, muitos empregados se perguntam: “Se eu
não tomar a vacina, serei despedido por justa causa?”
A questão logicamente é complexa, pois é a primeira vez após o surto da gripe espanhola, no século XX, que passamos pela experiência de tentarmos sobreviver a uma pandemia.
Por isso, embora tenhamos um ordenamento jurídico forte em regular as relações trabalhistas, certas ocorrências na rotina do trabalho prestado durante a pandemia geram dúvidas entre os participantes da relação laboral, por serem situações nunca antes experimentadas.
E na ausência de lei específica para regular determinadas circunstâncias, as ocorrências inusitadas da contratualidade muitas vezes acabam sendo levadas à Justiça do Trabalho, para que o Poder Judiciário determine qual é a solução correta para o caso.
De início, ressalta-se que a Constituição Federal garante o direito à vida, como o mais importante de todos os direitos. Assim, é dever do Estado adotar as medidas necessárias a assegurar a proteção à vida dos brasileiros e dos estrangeiros residentes no País. E no contexto da pandemia, não há dúvidas de que a proteção à vida se dá principalmente através da garantia constitucional de que todos têm direito à saúde.
Portanto, uma vez que a nossa Constituição assegura o direito à vida e à saúde como postulados fundamentais da sociedade, as consequências nas relações de trabalho no caso do empregado que se recusar a tomar a vacina é questão delicada, que precisa ser analisada de maneira prudente, dentro do contexto em que se desenvolve.
De fato, não existe lei que obrigue de forma direta um indivíduo a tomar a vacina contra a COVID-19.
Contudo, até o momento, a Organização Mundial da Saúde sustenta que não existe melhor estratégia de erradicação da COVID-19, se não através da vacinação de toda população. Pois quanto mais pessoas se vacinarem, menos o vírus se propaga e sofre mutações agravantes.
Porém, sabemos que as vacinas que existem no momento não garantem uma imunização completa e duradoura. Assim, quem já se vacinou ainda pode vir a contrair a COVID-19 e transmitir o vírus a outras pessoas, mesmo que em menores chances.
Por isso, a pessoa que se recusar a tomar a vacina poderá ser um vetor acentuado de transmissão do vírus, caso contraia a doença, fazendo com que a COVID-19 continue transitando entre as pessoas com quem tiver contato, colocando em risco a sua vida e a vida daqueles que ainda não conseguiram se vacinar.
Após todas essas considerações, se torna claro que nenhum empregador é obrigado a manter um funcionário que se recusa a tomar a vacina, pois esse empregado poderá oferecer risco de transmissão de COVID-19 para outros empregados, clientes, assim como para todas as pessoas com quem o funcionário não vacinado tiver contato.
Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, em ação trabalhista ajuizada por auxiliar de limpeza que trabalhava em ambiente hospitalar, confirmou a validade da despedida por justa causa desta funcionária, eis que a obreira não compareceu para se vacinar no dia marcado para que os empregados do hospital fossem vacinados, sendo que sequer apresentou qualquer justificativa para não tomar a vacina.[1]
Na decisão, os Desembargadores ponderaram que o interesse particular do empregado não pode prevalecer sobre o interesse coletivo, pois, ao deixar de tomar a vacina, o empregado coloca em risco a saúde dos seus colegas e clientes. Ainda, o fato da funcionária não ter apresentado nenhuma justificativa que amparasse sua recusa em se vacinar foi elemento determinante para que a demissão por justa causa fosse considerada legítima e regular.
Atualmente, muitos operadores do direito do trabalho têm firmado posicionamento no sentido de que tendo, o empregador, o dever de proteger o ambiente de trabalho, no caso do empregado que se recusar a tomar a vacina sem justificativa plausível, seria plenamente cabível a dispensa do trabalhador por justa causa, dada a gravidade da situação sanitária enfrentada.
Mas na verdade, seja qual for o cenário, a decisão que nunca estará equivocada com relação ao empregado que se negar a tomar a vacina é a despedida sem justa causa.
Pois caso o empregador realize a despedida pela via da “justa causa”[2], sem antes uma análise mais apurada dos detalhes da situação, o empregador corre o risco de ser demandado em reclamatória trabalhista.
Veja-se que a regra geral é a despedida sem justa causa, de modo que a despedida por cometimento de falta grave é uma exceção. E como exceção, a justa causa aplicada precisa estar muito bem fundamentada na lei e nos princípios de direito, caso contrário, não será considerada legítima.
Sem dúvida, uma despedida por justa causa mal executada será revertida judicialmente em despedida sem justa causa, garantindo ao funcionário o recebimento de saldo de salário dos dias trabalhados, aviso prévio indenizado, férias proporcionais e vencidas acrescidas de um terço constitucional, décimo terceiro salário proporcional, multa de 40% sobre os valores depositados no FGTS e liberação dos valores da conta do FGTS e das parcelas do seguro-desemprego.
Por isso, antes do empregador tomar qualquer decisão em face do trabalhador que não quer tomar a vacina, o melhor é buscar a orientação de um advogado especialista em causas trabalhistas, para que possa receber a instrução adequada de como agir da maneira mais acertada com o funcionário.
Receber informação profissional qualificada pode evitar que o empregador venha a sofrer uma ação trabalhista na qual tenha que arcar com o pagamento de valores muito maiores do que aqueles que pagaria caso tivesse agido corretamente desde o início.
[1] RORSum 1000122-24.2021.5.02.0472
[2] A despedida por justa causa é a máxima das sanções que podem ser aplicadas ao empregado, pois seu desligamento lhe dará direito a receber um conjunto reduzido de verbas rescisórias, quais sejam: saldo de salário dos dias trabalhados, décimo terceiro salário proporcional e férias vencidas acrescidas de um terço, se houver, sem direito a saque dos valores do FGTS e das parcelas do seguro-desemprego.
Ainda não existem comentários nesse artigo.